O teste do pezinho é um exame que faz parte do Programa Nacional de Triagem Neonatal e possibilita o diagnóstico nos primeiros dias de vida de um bebê para evitar diversas complicações decorrentes de doenças metabólicas, genéticas ou infecciosas (1). Neste exame, é coletada uma gota de sangue do calcanhar do bebê. O ideal é que isso seja realizado entre o 3° e o 5° dias de vida e após 48 horas da primeira amamentação/alimentação (1). Inicialmente, o teste era capaz de diagnosticar seis doenças, mas a partir de 26 de maio de 2021, por meio da lei nº 14.154, o teste foi ampliado e 50 novas doenças podem ser detectadas (2).
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Já existe um projeto de lei desde 2021 (PL 3681/2021) (3) para inclusão das distrofias musculares no teste. Seguimos trabalhando para que o fluxo siga e para que isso ocorra será necessário atender dois critérios: doenças com maior prevalência no país e existência de um protocolo de tratamento aprovado e com tratamento incorporado no Sistema Único de Saúde (SUS) (2) e muita vontade política para regulamentação. A atrofia muscular espinhal (AME) foi incluída na etapa cinco, mesma etapa que prevê as distrofias musculares.
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A AME é uma doença genética rara que foi incorporada no teste justamente por existirem três medicações disponíveis no SUS – o nusinersen (spinraza) (4), risdiplam (5) e o onasemnogeno abeparvoveque (zolgensma) (6). Devido a degeneração do neurônio motor inferior, a AME pode apresentar sintomas graves logo nos primeiros dias ou meses de vida (7). Caso esse bebê ou criança não receba intervenção adequada com profissionais especializados e medicação, existe um risco eminente de vida (7). Apesar de ainda não existir nenhum tratamento medicamentoso disponível no SUS para as pessoas com distrofias musculares, há medicação aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), no Brasil, para pessoas com distrofia muscular de Duchenne resultante de uma mutação sem sentido (nonsense), como o Translarna (atalureno) (8).
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O teste do pezinho tem uma função importante para mitigar um dos primeiros desafios que pessoas com doenças raras e suas famílias enfrentam, obter o diagnóstico correto. Muitas vezes existe uma longa jornada com múltiplas interações com especialistas e profissionais de saúde até serem diagnosticadas com precisão, isso pode demorar até 14 anos para ser alcançado (9). Adachi e colaboradores (2023) (9) relatam que as principais causas no atraso no diagnóstico estão relacionadas à falta de conhecimento médico, falta compromisso dos profissionais da saúde e consideração isolada dos sintomas. Sem dúvida, o teste do pezinho representa uma mudança importante para que o diagnóstico de doenças raras seja realizado logo ao nascimento e para que esse bebê tenha acesso ao tratamento disponível o mais breve possível, evitando maiores consequências ao longo de toda sua vida.
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Por fim, a inclusão da AME foi um marco positivo para pessoas com doenças raras terem o diagnóstico e intervenção adequada, mas a inclusão das distrofias musculares será um avanço ainda maior de mudança na história natural dessas doenças, justamente para reduzir o atraso no diagnóstico e iniciar a intervenção adequada para crianças no tempo apropriado, possibilitar que crianças com menos de quatro anos de idade sejam incluídas em ensaios clínicos e proporcionar uma escolha para a família quando existe o risco de ter outros filhos(as) com distrofia muscular (10).
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Referências:
7 – Mercuri E, Finkel RS, Muntoni F, Wirth B, Montes J, Main M, et al. Diagnosis and management of spinal muscular atrophy: Part 1: Recommendations for diagnosis, rehabilitation, orthopedic and nutritional care. Neuromuscul Disord. 2018;28:103–15.
9 - Adachi T, El-Hattab AW, Jain R, Nogales Crespo KA, Quirland Lazo CI, Scarpa M, et al. Enhancing Equitable Access to Rare Disease Diagnosis and Treatment around the World: A Review of Evidence, Policies, and Challenges. Int J Environ Res Public Health. 2023;20(6).
10 - World Duchenne Organization. Newborn Screening for Duchenne Muscular Dystrophy: The Time to Start Is Now. 2024
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