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Amor Raro - Prefácio

Em dezembro de 2020 a Sarepta Farmacêutica em parceria com a Agência de Narrativas Construtores de Memória lançaram o livro Amor Raro. Carlinhos Brown, Daiane dos Santos, Fernanda Takai, Márcio Canuto, Mario Sergio Cortella e Mauricio de Sousa são os autores desta emocionante obra que conta a trajetória de crianças com Distrofia Muscular de Duchenne (DMD), doença rara que atinge um a cada 3.500 - 5.000 meninos.


Apresentamos o prefácio do livro para você sentir um pouco desta emoção e apoiar a causa das distrofias musculares, pois toda a renda arrecadada com a venda dos exemplares será integralmente revertida para

Aliança Distrofia Brasil.


Prefácio


Não espere que este prefácio tenha todos os elementos de um prefácio comum. Este é diferente. A primeira dificuldade foi definir o gênero do trabalho que você tem em mãos: não é romance, nem aventura, muito menos terror. Então, precisei criar um novo gênero: vida real! Mas não a vida real de pessoas comuns. É a vida real de pessoas raras.


Você encontrará aqui depoimentos de pessoas famosas sobre essa gente rara. Encontrará também muitas imagens com as quais você talvez se identifique, mas que nem de longe refletem a realidade de quem enfrenta diariamente, e por toda a vida, as longas sessões de fisioterapia, as visitas a inúmeros especialistas, os exames periódicos, as muitas medicações. E tudo com essa naturalidade e alegria que você vê nos rostos que ilustram este trabalho. Acredite, essas pessoas nos ensinam a encarar a vida real com o que ela tem de pior e de melhor, sempre com coragem e determinação. São pessoas raras.


Você sabe o que é raro? O dicionário da língua portuguesa define da seguinte maneira:


adjetivo; que não é comum, incomum, extraordinário, invulgar. Que não se vê com frequência; pouco frequente: selo raro, visitas raras. Não farto nem abundante; escasso, falhado: cabelo raro. Que tem mérito excepcional; admirável: um homem raro.Etimologia (origem da palavra raro): do latim rarus.a.um, “pouco abundante”.


Porém, ser raro vai muito mais além do que a definição bruta do dicionário. Este livro veio para mostrar isso. Deixa eu contar um pouquinho dessa história, já que eu entendo muito bem dela. Ser raro é ter uma coisa que mais ninguém tem; é ter um diferencial que chame atenção na multidão. Não nos destacaremos sempre por sermos, por exemplo, mais rápidos, mais fortes, mais ágeis ou por qualquer outra característica física ou intelectual. Logo cedo, entendemos que isso não importa tanto. Mas nos destacamos, sim, porque temos habilidades que nos diferenciam. Quem é raro enxerga diferente a vida e os obstáculos dela, e precisa enfrentar os medos bem antes do que as pessoas ditas “comuns”. Observe as ilustrações deste livro e preste atenção nas expressões de cada pessoa. Não é só um passeio, um encontro, uma brincadeira, uma festa. São momentos. Porque nós, raros, colecionamos momentos que guardamos, compartilhamos e, mais tarde, disponibilizamos em forma de memórias prazerosas, de motivação e de esperança. Porque ser raro também é um aprendizado.


Aprendemos a descobrir talentos, a inventar alternativas e a dar voltas por cima com uma rapidez de super-herói, para seguirmos sempre determinados, superando limitações e perdas pelo caminho. Nosso talento é abraçar as possibilidades, encontrar outros caminhos e mudar de direção com a mesma paixão e amor pela vida.


E por falar em vida, também descobrimos rápido o quanto ela é frágil e finita. E, por isso, cuidamos muito bem de vivê-la no presente, sempre com muita ânsia e intensidade.


Nós, raros, também ensinamos. Aliás, escutamos isso a vida toda. Ao fim de cada ciclo de nossas vidas, é comum as pessoas dizerem que se sentiram inspiradas e que aprenderam convivendo conosco. Algumas se sentem pessoas melhores e renovadas.


Ensinamos também uns aos outros quando nos despedimos dessa vida. Todas as pessoas quando se vão deixam um legado. Nós, raros, deixamos motivação e estímulo aos que ficam e aos que chegam, por meio de nossa trajetória de superação e conquistas, tão presentes neste livro.


Cabe aqui citar um desses exemplos: Leonardo Feder, o jornalista, o escritor, o mestre, o doutor Leonardo. Para nós, o Léo, que usou sua habilidade com as palavras para tratar de temas que nos desafiam, como acessibilidade, a intolerância com as diferenças e as relações pessoais, com notável academicismo e vivência.


Não tive a oportunidade de conhecer o Leonardo pessoalmente – apenas pelas mídias sociais – mas tínhamos muito em comum. Viemos de famílias que sempre nos apoiaram e nos incentivaram, que desde cedo nos incluíram nas escolhas e decisões importantes, que sempre deram jeito para nos proporcionar todas as experiências, mesmo frente às dificuldades impostas pela evolução de nossos sintomas. Nós dois gostávamos de programas culturais, como teatro, cinema e museus, além – é claro – de futebol, apesar de torcermos para times diferentes. Escolhemos o mesmo curso: Jornalismo. E ambos descobrimos na palavra escrita uma ferramenta de expressão. O Léo foi especialista na literatura acadêmica e eu na poesia. Mas, curiosamente, nós dois nos aventuramos na ficção e, por meio desse gênero, acabamos por flertar com o “autobiográfico” e expressamos demandas da vida adulta de um raro com Distrofia Muscular de Duchenne. Demandas de cunho pessoal, como relacionamentos e paternidade, que são naturais para os adultos comuns, mas não para aqueles que, como nós, precisam lidar com a insegurança de depender de terceiros para quase tudo.


Quando eu e outros como o Leonardo fomos diagnosticados – há mais de 25 anos – era pouco provável que alguém com Distrofia Muscular de Duchenne chegasse à vida adulta. Hoje, com o avanço da ciência e da tecnologia, Duchenne´s adultos serão cada vez mais comuns. Nesse sentido, posso dizer que – além das publicações, títulos acadêmicos, relatos de viagens, comentários sobre filmes, peças teatrais e outros assuntos relevantes que compartilhava nas redes sociais – o último livro do Leonardo Feder foi uma das contribuições mais importantes que ele nos deixou.


Quando se vão, os raros deixam mais que ausência e saudade. Ele nos deixa de presente suas vidas, como um testemunho e uma promessa de que podemos ir além, de que nossa natureza rara nos difere, mas não nos define. Nossas potencialidades e possibilidades são muitas e reais.


Não é à toa que o adjetivo “raro” no título deste livro está associado ao mais sublime dos substantivos: amor. Você jamais será a mesma pessoa depois de conhecer estes raros. Esta leitura mudará você para sempre. Fará você repensar valores, posturas e, sobretudo, sua forma de amar a vida, as pessoas e a você mesmo. E aí, está preparado?


Então, seja bem-vindo ao nosso mundo e boa leitura!


Pedro de Moraes Martinez

é jornalista, escritor, compositor e um raro, que tem Distrofia Muscular de Duchenne.



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