Hoje trouxemos o relato de Andréa Freire Cavalcanti Caldas, mãe e cuidadora do André, que tem Distrofia Muscular de Duchenne. Andréa foi membro colaborativo na OAPD – Organização de Apoio aos Portadores de Distrofias. Formada em Direito pela Universidade Católica de Santos, exerceu a advocacia nas áreas do Direito de Família e do Consumidor entre 2004 e 2015. Atualmente, está finalizando o curso em Pedagogia pela UNIGRAN EUROPA, realizando Trabalho de Conclusão de Curso em tema relativo à Duchenne e o Cérebro.
Confira o relato de Andréa:
“Sou Andréa Freire Cavalcanti Caldas 51 anos, mãe de 3 filhos, André 12 anos, o caçula diagnosticado com Distrofia Muscular de Duchenne (DMD). Aos 21 anos eu já tinha um casal de filhos, ambos saudáveis e aos 39 anos nasceu André. Seu nascimento foi um presente para toda família, ele era um bebê adorável e perfeito, até que comecei a notar algumas diferenças em seu desenvolvimento comparado aos meus outros filhos.
Ele deu seus primeiros passos muito tarde, por volta dos 20 meses de idade, além de ter apresentado outras características atípicas de uma criança da sua idade, o que me impulsionou a buscar respostas para essas inquietudes e no seu aniversário de 2 anos veio o diagnóstico. A partir daí, minha vida virou do avesso, eu era advogada, mas a advocacia já não era um caminho que me trazia realizações, pois minhas inquietudes me levavam à um novo olhar, diferente dos conflitos que a advocacia propõe, a disputa neste momento era em favor da vida do meu filho.
No início foi muito difícil, mas o caminho foi nos conectando a pessoas que nos davam esperança e suporte. Focamos no que André era capaz de fazer e buscamos seu desenvolvimento com leveza e alegria, porém, no início da alfabetização ele começou apresentar dificuldades de aprendizagem, mas eram muito sutis, facilmente confundidas com desatenção e desinteresse.
Passei a ter reuniões constantes com a escola na tentativa de ajudar André a avançar, mas o processo era muito lento e duro para ele, o que nos deixava ainda mais inquietos, pois a possibilidade de haver mais algum comprometimento em sua saúde, agora à nível cognitivo era demais para nossa família. Buscamos ajuda profissional e ele foi diagnosticado inicialmente com TDHA, foi então que decidi fazer a faculdade de Pedagogia, para ajudá-lo neste novo desafio.
Em meados de 2015, eu e meu esposo decidimos largar tudo e nos mudar para a França em busca de novos tratamentos para Duchenne, pois minha irmã morava aqui e sua nova família nos acolheu. Como todo recomeçar demorou 1 ano até conseguirmos nos adaptar. Pela dificuldade da língua André, com 6 anos e meio, reiniciou a primeira série do Ensino Fundamental na França e mais uma vez suas dificuldades se mostraram, agora agravadas com a mudança da língua. Contudo, após seis meses na escola ele já falava e compreendia o francês, o que nos motivou a pensar que não havia problemas cognitivos mais graves, porém a aprendizagem continuava sendo um grande desafio.
Diante disso, tentamos diferentes tipos de metodologias, André trocou 4 vezes de escola e alguns traços repetitivos começaram a surgir, ele repetia frases ou palavras que ouvia muitas vezes, mas achávamos que era uma forma de fixar a nova língua. Paralelamente a isto, eu recomecei meus estudos em Pedagogia conciliados com os cuidados que ele necessitava com o avanço de Duchenne.
Os estudos me ajudaram a lidar com suas dificuldades cognitivas e a compreender que era preciso métodos diferentes para conseguirmos penetrar nesse labirinto desconhecido que era seu cérebro e o que me deu mais segurança nas conversas com a equipe pedagógica, por um lado ele era muito inteligente e criativo, por outro apresentava dificuldades pontuais. Foram 5 anos de muito trabalho em conjunto, mas André não avançava na alfabetização, até que, com a chegada da pandemia, eu passei a realizar as atividades com ele em casa e ele começou a avançar, porque eu o conhecia melhor que qualquer pessoa, além de ter paciência e tempo para respeitar seu ritmo.
Foi quando uma amiga da ADB – Associação Distrofia Brasil, chamada Sheila Vasconcelos, mãe do Rafael também com Duchenne, compartilhou comigo uma palestra sobre Duchenne e o Cérebro, e isso era o que faltava para minhas pesquisas, decidi então escolher esta temática para meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso).
A partir de então, as coisas começaram a clarear para mim, pois descobri que diferentes comorbidades podem ocorrer na DMD em cerca de 30% dos meninos. Pesquisas mostram que pessoas com DMD podem apresentar comprometimentos cognitivos como dificuldades de aprendizagem, Dislexia, Discalculia, assim como comprometimentos neuropsiquiátricos, entre eles TDHA (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), Depressão, TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) e finalmente autismo.
Conforme minhas pesquisas avançavam uma desconfiança de que André possuía traços de autismo, o TEA (Transtorno do Espectro Autista), em grau leve por isso, imperceptível à quem desconhece suas sutis características, em comparação a outras capacidades que ele possui.
Nesse caminho tenho encontrado diversos estudos que comprovam a relação direta da ausência da proteína distrofina, ponto central de Duchenne, com as funções neuronais. Entretanto, a pergunta que se coloca é: por que apenas 30% dos meninos apresentam déficits cognitivos? As pesquisas demonstraram que depende da posição em que a falha genética está localizada no gene, isto é, há posições específicas que, com a ausência da distrofina, afetam ou não as conexões cerebrais.
Estudos mostram também que os déficits cognitivos nestes pacientes não são progressivos como ocorre com a DMD, porém, as áreas cerebrais em que há falha na transmissão neuronal pela ausência da distrofina, buscam mecanismos compensatórios na tentativa de equilibrar suas funções, gerando prejuízo funcional. Foi demonstrado também que há uma piora no quadro clínico em pacientes distróficos que possuem outras comorbidades, razão pela qual a importância de um diagnóstico precoce nos primeiros sinais de dificuldades de aprendizagem ou comportamentais, bem como, no caminho contrário, meninos com dificuldades de aprendizagem que possuam alguns sinais de dificuldades motoras, devem ser encaminhados para estudo genético a cerca de DMD.
A família deve evitar o temor por mais um diagnóstico difícil, pois negá-lo não irá mudar a condição desta criança, muito pelo contrário, poderá piorar. Um diagnóstico preciso trará o tratamento adequado e trará alívio à criança, evitando os prejuízos que os esforços compensatórios provocam. Com o diagnóstico novas perspectivas surgirão quanto ao desenvolvimento de suas capacidades, com estratégias específicas, trazendo também uma melhor integração no meio social.
Os tratamentos recomendados são os específico para cada déficits cognitivo, contudo, deve-se buscar um projeto personalizado a todas as necessidades daquela criança, tanto física, cognitiva, psicológica e emocional, pela complexidade dos múltiplos comprometimentos, resta primordial o trabalho multidisciplinar triangular - Família x Escola x Saúde, que determinará com precisão as verdadeiras necessidades daquela criança, as estratégias ideias, trazendo novas conquistas e motivações, tirando aquela criança de uma condição incapacitante e permitindo que ela se desenvolva nas suas capacidades, vindo a ser melhor compreendida em suas necessidades e se sentir pertencente ao meio social atuando com seu valor.”
Referências:
FIGUEIREDO, Fernanda Pedrosa de. Os aspectos cognitivos na Distrofia Muscular de Duchenne: revisão integrativa. 2019. 62f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Medicina) - Universidade Federal de Campina Grande, Cajazeiras, 2019
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